A Chuva Depois Do Sol...

By Clara Elisabeth - 17:34



E finalmente choveu em Salvador. Depois de um longo período sem uma gota d’água, o calor vinha aumentando, mas naquela noite estava insuportável. Depois de deitar na cama, ainda demorei a dormir e só o fiz após levantar e tomar outro banho. Ainda assim, o calor incomodava bastante. Não sei ao certo quanto tempo levou depois que peguei no sono, mas sei que em pouco tempo, algo me despertou: um barulho muito alto, um estrondo.

Aquele foi só o primeiro dos inúmeros trovões que viriam acompanhando a chuva naquela noite. Não era a primeira madrugada turbulenta que eu havia assistido, mas foi uma das mais marcantes. O barulho só aumentava e nada da chuva cessar. Como se não bastassem os trovões, os relâmpagos iluminavam todo o meu quarto, espantando o meu sono. O espetáculo demorou a acabar e, enquanto ele se firmava no céu, pensamentos tomavam conta da minha noite.

Comecei a pensar na multidão de pessoas que trabalham nas madrugadas. Motoristas, cobradores, seguranças, policiais, taxistas… enfim. Pessoas com uma família em casa, aguardando pela sua volta. Ou mesmo as que não estavam trabalhando. Ou mesmo as que não têm uma família esperando em casa. Ou mesmo as que não têm família. Ou mesmo as que não têm casa. Eu reclamando por ter perdido o sono, enquanto há gente querendo, simplesmente, um cobertor. Já imaginou o que é viver sem um teto? Coloque-se nessa situação, só por um minuto. Imagine a si mesmo na madrugada chuvosa e com relâmpagos sobre a sua cabeça. Imagine sua cabeça sendo seu teto. Imagine não poder perder o chão.

É fácil reclamar de barriga cheia quando se pode encher a barriga todos os dias. Mas não vim aqui dar lição de moral, até porque nem tenho tanta moral para fazê-lo. Mas vim tentar te fazer perceber o quanto é incrível ter abrigo, alimento e companhia.  O quanto é incrível ter conhecimento e sabedoria.  Poder ter sonhos e ainda se encantar com algo. Na manhã que se seguiu àquela noite, o temporal tomou conta dos noticiários. Ruas foram alagadas, imóveis invadidos pela água, os hospitais atendiam emergências de vítimas de deslizamento de terra e árvores vieram abaixo. A população fez registros de imagens e o acontecimento deu o que falar nas redes sociais.

Hoje tive que comprar umas coisas e estava zanzando pelo meu bairro. Havia chovido e fazia frio, e eu usava roupa quente. Passei na frente de um antigo ponto de ônibus e vi uma moça sentada no chão, encostada na parede e se encolhendo contra ela, abraçando os joelhos. Ela usava um vestido de alças finas, o qual esticava pela barra a fim de cobrir ao máximo suas pernas. Estava morrendo de frio. Provavelmente sua noite não seria diferente. Como teria sido sua madrugada dias antes, naquele show interminável? Ninguém questiona. É que quando as pessoas entram em suas casas, fecham as portas, as janelas e os olhos. Aquela moça no com frio foi só um dentre milhões de exemplos de que o mundo gira, mas continua parado.


Cinco dias depois e nada mudou: as pessoas esqueceram, os jornais têm outros assuntos e tudo continua como antes. Os danos não foram reparados e ninguém liga para isso. Estão na frente do computador, trancados com a hipocrisia. Mas o que venho dizer, caro amigo, é que nunca fui tão grata por tudo que tenho. É uma dádiva ter um lar, saúde e amor. E é um dom ainda poder se encantar com grandes e pequenas coisas quando o mundo vem perdendo todo o seu encanto.

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