RESENHANDO: Mulan, A Ascensão do Guerreiro (Filme, 2009)

By Clara Elisabeth - 09:30

Oi, pessoas. Tudo bem?

Depois desse intervalo imenso, vim aqui dizer que não abandonei esse blog, e, em meio a esse momento tenso que o Brasil está vivendo, vim trazer uma temática de luta, mas também de esperança. Então trouxe um filme que remonta a história de várias mulheres guerreiras, que buscaram romper barreiras em busca de seus objetivos, mesmo indo de encontro aos valores culturais da sua sociedade. 


O filme “Mulan: A Rise of a Warrior” (outros títulos “Mulan: Legendary Warrior”; “Hua Mulan”), é uma produção chinesa lançada em 2009, dirigida por Jingle Ma e Wi Dong, escrita por Ting Zang. Retrata a história de Hua Mulan, uma lendária heroína chinesa, cuja história foi difundida no poema “A Balada de Hua Mulan” (composta durante a dinastia Tang, no século VII), cuja tradução se apresenta abaixo:


Click, click, e click, click, click
Junto à porta, Mulan tece,
Quando, de repente, a lançadeira cessa
Ouve-se um suspiro cheio de angústia
Oh, minha filha, quem está em sua mente?
Oh, minha filha, quem está em seu coração?
Não há ninguém em minha mente
Não há ninguém em meu coração
Mas noite passada li sobre a batalha
Eram doze pergaminhos
O Khan sorteará os que irão à guerra
O nome de meu pai está em todas as contas

Ah, meu pai não tem um filho crescido
Ah, Mulan não tem um irmão mais velho
Mas comprarei uma cela e um cavalo e me unirei ao exército no lugar de meu pai
No mercado do leste ela compra um corcel
No mercado d’oeste ela compra uma sela
No mercado do norte ela compra um longo chicote
No mercado do sul ela compra uma rédea

Na alvorada ela se despede da família
No crepúsculo ela se assenta à beira do Rio Amarelo
Ela não mais ouve seus pais a chamarem
 [...]
Por doze anos lutamos como camaradas
A Mulan que conhecemos não era uma mulher graciosa
Dizem que conhecemos uma lebre segurando-a pelas orelhas
Há sinais para distinguirmos
Suspenso no ar, o macho chutará e se debaterá, enquanto que as fêmeas ficarão paradas, com os olhos a lacrimejar
Mas se ambos estão no chão a pular em liberdade singela, quem será tão sábio para dizer se a lebre é ele ou ela?

(Trecho de “A Balada de Mulan”, poema chinês)



A muitas pessoas, a história de Hua Mulan já foi apresentada na infância, através de uma famosa adaptação norte-americana para o cinema, uma animação produzida pela Walt Disney, lançada em 1998. Mas as semelhanças do filme que será aqui apresentado e a animação param por aí. Diferentemente da versão da Disney, o filme chinês é feito por atores, dentre eles, Wei Zhao, Kun Chen, Jaycee Chan, Liu Yuxin, Yu Rongguang e Jun Hu.

A narrativa se passa no cenário de guerra, quando a china foi invadida e o imperador estabeleceu que cada família deveria enviar um homem ao exército para defender a nação. Em uma dessas famílias, Hua Hu (Yu Rongguang), estava muito adoentado e com idade já avançada, mas foi convocado para lutar, pois não tinha nenhum filho do sexo masculino, sendo o único homem da família. Inconformada com essa situação, sua filha Hua Mulan decide fugir com o uniforme de guerra do pai, indo lutar em seu lugar, se apresentando ao exército como homem.

No campo de batalha, Mulan encontra um amigo seu de infância, conhecido como “Tigre” (Jaycee Chan) e que a reconhece logo a princípio, mas é fiel a ela, mantendo seu segredo guardado e tenta lhe ajudar sempre que possível a disfarçar seu lado feminino. Com o passar do tempo, ela, que já tinha certa habilidade em lutas, vai desenvolvendo sua habilidade e aos poucos, ganhando confiança e a admiração das pessoas dentro do exército, inclusive de uma pessoa em especial, Wentai (Kun Chen), que também era considerado um grande guerreiro, com o qual serão formados fortes laços. Juntos, os dois ascendem em suas posições, tornando-se generais e comandando as batalhas em defesa da China.




Hua Mulan (imagem retirada daqui.)


Embora um dos subtítulos do filme seja, em uma tradução livre, “A Ascensão do Guerreiro”, essa interfase entre um guerreiro qualquer e um general não é tão explorada no filme. A progressão de Mulan e de Wentai é representada de forma rápida, aparentemente apenas para que faça sentido para o espectador. Outra ressalva em relação ao aspecto temporal do filme é que algo na forma como este se desenvolve faz com que, ao final, o espectador quase não perceba que se passaram cerca de 12 anos desde o início da guerra.

Apesar disso, o filme explora de maneira grandiosa detalhes que, por vezes são deixados de lado em filmes do gênero, como o sentimento dos guerreiros ali presentes, seja em relação a sua família, que eles nunca sabem ainda verão novamente, ou seja, dentro do próprio exército, já que as relações ali presentes acabam indo além da simples convivência e parceria de lutas. Surge também o sentimento de irmandade, que pode ser um alento em muitos momentos, mas uma dor imensurável em outras, afinal, se tratando de guerra, a ocorrência de mortes é uma infeliz certeza. Mulan, inclusive, sofre bastante com isso durante a guerra, sendo que muitas vezes não suportava a ideia de perder seus amigos e acabava adotando estratégias de guerra equivocas, causando um estrago maior do que poderia imaginar. Ao longo de sua trajetória, ela vai aprendendo a lidar com esse sentimento e a sentir como um amigo e a agir como um general. Aliás, não só ao ver amigos morrendo, mas também ao ter que matar seus inimigos. Além da necessidade de adaptação a essa situação angustiante, outro aspecto é explorado no enredo: a honra, mostrando uma característica marcante nas histórias chinesas. Para eles (e Mulan sempre reforçava isso), se a família tivesse que receber uma notícia de morte, que fosse dentro do campo de batalha. Ao guerrilhar, eles tinham em mente a sua missão, que era defender a nação, e esta deveria estar acima de seus sentimentos individuais.

Esses embates emocionais são muito bem retratados ao longo do enredo, mostrando que esse não é só mais um filme de ação. O mesmo apresenta cenas de lutas muito bem feitas e intensas e, com um bom dinamismo, mostra o ambiente árido de uma guerra, as dificuldades que se enfrenta, a escassez de suprimentos, as batalhas perdidas. Mas também é dotado de uma sensibilidade admirável (e muito bem dosada), além de ótimas atuações, que não desmereceram o roteiro muito bem elaborado e só enriqueceram o filme. Inclusive, de nada adiantaria a qualidade do roteiro se os atores não transmitissem essa mensagem tão bem. O filme tem um peso emocional considerável e as atuações permitem que haja uma identificação sentimental por parte de quem está assistindo.



Hua Mulan e seu cavalo, Vento-Negro. (Imagem retirada daqui.)


Uma dos pontos fortes do filme é o fato de ser um filme chinês sobre a cultura da China, com a grande vantagem de não ser uma produção ‘hollywoodiana’ com seus traços estilísticos já desgastados. Do contrário, se afasta de muitos clichês e padrões comuns no cinema norte-americano com uma qualidade técnica tão digna quanto, mas com a capacidade de explorar aspectos culturais tão importantes na construção do enredo.

Embora não se saiba ao certo se a narrativa presente no poema de Hua Mulan (no qual o filme é baseado) tem uma inspiração em alguma história real ou não, é verdade que tanto a história como a personagem serviram (e servem) de inspiração para muitas pessoas, principalmente garotas, dentre outros motivos, por apresentar uma heroína forte, inteligente e sensível, com qualidades e defeitos humanos, e com escolhas que não necessariamente tem seu foco no amor de um homem. Dentro do campo de batalha, o filme mostra que Mulan cresceu como pessoa e como guerreira, aprendeu muito com seus colegas de guerra, e ainda contribuiu, não só com as lutas em si, como também como fonte de motivação e inspiração dentro do exército e, não por acaso, era tão admirada. E mais um detalhe cativante em Mulan: diferentemente de muitas heroínas do cinema, ela é protagonista de sua própria história.



“Mulan: A Rise of a Warrior” é uma obra marcante e envolvente, uma abordagem madura sobre a lendária Hua Mulan, e uma produção de tirar o chapéu, que, além do enredo e das atuações, a trilha sonora, o figurino e a fotografia também são dignos de nota. Faz valer a pena cada um dos seus 110 minutos.








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